GALERIAS DE ARTE: CRISE OU MUDANÇA DE PARADIGMA?
No início do mês de Janeiro deste ano, a Frieze Art Fair anunciou algumas alterações aos critérios de admissão das galerias para poderem participar na edição de Nova Iorque desta mundialmente conhecida feira de arte.
A alteração que, pelo seu significado, mereceu mais destaque nos media e despertou maior interesse em todos aqueles que estudam e analisam a evolução do mercado das artes, foi o facto da Frieze ter aberto a possibilidade de galeristas que não possuem um espaço fisico, isto é, não têm, de facto, uma galeria no sentido tradicional do termo, poderem candidatar-se a um lugar naquela feira de arte.
A abertura da Frieze a este tipo de candidaturas foi vista, por muitos observadores, como um sinal, muito eloquente, das mudanças que se têm vindo a verificar no mercado das artes e, em particular, no sector das galerias.
No relatório publicado em 2012 pela European Fine Art Foundation, em que esta instituição analisa as mudanças mais significativas ocorridas no mercado das artes nos últimos 25 anos, o capítulo dedicado às galerias sublinha o seu relativo “declínio” e refere, entre um conjunto complexo de factores, a progressiva incursão das grandes leiloeiras, como a Sotheby’s e a Christie’s, no sector do retalho e das vendas privadas (erodindo, desse modo, o território de eleição das galerias), a ascensão das feiras de arte como o “centro nevrálgico” e “globalizado” do mercado (em detrimento do modelo “fragmentado” e “local” que as galerias representavam), o papel cada vez mais importante da internet, das redes sociais e do comércio electrónico, a mudança de perfil dos coleccionadores de arte (com a crescente preponderância dos HNWI (High Net Worth Individuals) e VHNWI (Very High Net Worth Individuals), a relevância que o investimento em arte adquiriu enquanto “activo financeiro” e, por último, o aparecimento de toda uma plétora de novos “intermediários” (como os “consultores de arte”) que vieram disputar o território das galerias.
Alguns dos galeristas entrevistados para a elaboração do relatório da European Fine Art Foundation referem que, entre as razões mais determinantes para prescindirem de ter um espaço físico, está o progressivo aumento dos custos envolvidos na sua operação (rendas, salários, etc.), sobretudo para aquelas galerias situadas nos grandes centros urbanos, e o declínio muito notório no número de frequentadores desses espaços.
Em relação a este último ponto, vários galeristas sublinham, entre vários factores explicativos, as significativas mudanças verificadas nos hábitos do consumo cultural nos últimos 25 anos, nomeadamente a preferência dos vários “públicos” (dos simples “amantes das artes” aos coleccionadores) pelas feiras de arte onde, num curto período de tempo, é possível ter uma perspectiva imediata do que está a “acontecer” e fazer múltiplos contactos e aquisições e, por outro lado, o impacto da internet e a facilidade que trouxe não apenas para adquirir informação como para desenvolver redes de contacto directas e personalizadas.
Tendo-se tornado claro para muitos galeristas que é nas feiras que agora está o “negócio” e que para estar presente nas várias dezenas que ocorrem durante todo o ano é necessário um sério investimento (financeiro, logistico, etc.), os custos de manter uma galeria tornaram-se, em muitos casos, não só incomportáveis como injustificados. Muitos optaram, por isso, ou por abrir “galerias virtuais” online ou por continuar a operar como antes mas agora de forma “privada”, ou seja, a partir de um escritório ou das suas próprias casas.
Outros factores também referidos pelos galeristas como tendo tido um impacto negativo no seu “modelo de negócio” têm a ver, por um lado, com o facto de muitos artistas, em consequência do aparecimento da internet e das redes sociais terem começado a prescindir de ter um “intermediário” e, por outro lado, o aparecimento de um novo tipo de “actores”, como os “consultores de arte”, muito vezes ligados ao sector financeiro ou a grandes colecionadores privados, acabaram por criar um “ecossistema” muito diferente (e mais complexo) para as galerias.
O relatório nota, no entanto, que embora esta seja uma tendência em crescimento, existem muitas regiões do globo, como na China, por exemplo, onde as galerias desempenham ainda um papel fundamental no “sistema das artes”. Haverá, portanto, que ser prudente e não assumir, como um dado adquirido, que se está a assistir ao principio do fim das galerias de arte tal como existiram até meados do século passado.
Dados mais recentes parecem confirmar, no entanto, esta tendência. Um estudo tornado público no primeiro trimestre de 2018, “The Art Market | 2018”, realizado pela UBS e a Art Basel, e coordenado por Clare McAndrew, uma economista que vem, de há muitos anos a esta parte a estudar o “mercado da arte”, revela que o número de novas galerias que abriram na última década caiu drasticamente quando comparado com a década anterior. Assim, enquanto neste periodo, para cada galeria que fechava abriam cinco novas, na última década, apenas 0,9 galerias abriram para cada uma que encerrou as suas portas.
Uma das conclusões mais “preocupantes” deste estudo, segundo Clare McAndrew, é que estes dados parecem indicar que a abertura de uma nova galeria está cada vez mais ligada à existência de uma capacidade prévia para aceder a “fundos de investimento” e a uma rede de compradores. Sem estes requisitos prévios, de acordo com a economista – e exceptuando as grandes galerias, que operam a um nível global - a maior parte das pequenas e médias galerias, têm hoje grande dificuldade de aceder a crédito bancário.
Por fim, Clare McAndrew nota ainda que no estudo, a análise feita às práticas aquisitivas dos grandes coleccionadores (sobretudo HNWI e VHNWI), mostra que o actual “ecossitema” parece bastar a estes compradores. O que significa que tanto as galerias existentes (mas que operam nas margens do “sistema”) como as novas galerias que venham a entrar no mercado terão de ser (ou tornar-se) bastante proactivas no sentido de cativar novos coleccionadores/compradores de modo contornar a “rigidez” do actual mercado.
Rui Trindade
Links
European Fine Art Foundation - https://www.tefaf.com/home
“The Art Market | 2018 - https://www.artbasel.com/about/initiatives/the-art-market