Moçambique - José Cabral

Moçambique - José Cabral

 A exposição Moçambique – José Cabral parte de uma monografia homónima, consagrada à obra do fotógrafo moçambicano José Cabral, nascido em 1952. É também uma visão antológica do seu trabalho, apresentado em dois núcleos diferenciados, explorando os seus temas de eleição e o itinerário dos lugares que percorreu e onde vive.

 Dão-se a conhecer peças de referência do percurso de Cabral mas também imagens esquecidas, direcções experimentais ou fotografias inéditas. Reuniram-se provas de época que o autor conservou ou que se encontram em colecções particulares e também novas impressões produzidas para a exposição, a partir de uma revisão de parte do seu acervo de negativos.

 Recordam-se pontualmente obras expostas em mostras individuais marcantes, como «A Guerra da Água» (1995), «Os Americanos» (1996), «Mueda, Planalto Maconde» (1998), «As Linhas da Minha Mão» (2006), «Anjos Urbanos» (2009) e «Espelhos Quebrados» (2013), mas também as presenças destacadas em exibições colectivas como «Karingana ua Karingana» (1990), «A Árvore» (1997) e «Iluminando Vidas» (2002-05). De facto, a seguir aos tempos da fotografia impressa e de Imprensa, cujo dinamismo se interrompeu nas últimas décadas, José Cabral foi conquistando o espaço público indispensável para que se imponham a fotografia de exposição e de colecção. Foi uma mutação decisiva, que se seguiu à era dos pioneiros, e essa foi uma das lições recolhidas pelos actuais jovens autores - com José Cabral mudou a atenção à fotografia, e foram mudando as condições da sua criação e circulação.

Enquanto fotógrafo-e-artista, o projecto documental e a imagem de observação tornaram-se fotografia de autor, ganhando uma especial densidade emotiva. A expressão pessoal e subjectiva deu mais verdade ao testemunho, as projecções da autobiografia e da intimidade aproximaram a arte da vida, da vida do fotógrafo e da dos outros. Nenhuma artificialidade formalista ou retórica de efeitos distancia a «arte fotográfica» da vida corrente.

 A actualidade da obra de Cabral não foi a da guerra civil, nem é a da miséria urbana, sem deixar de ser uma fotografia de intervenção, pela atenção que presta às pessoas e à sua dignidade, como se observa na sua extensa galeria de retratos, onde são muitos mais os anónimos do que os famosos. Não há também nenhuma vitimização e nenhum exotismo, ao contrário de muita fotografia africana de exportação.

A exposição procura interpretar a originalidade de um lugar muito próprio na grande corrente que é a fotografia moçambicana, localizado entre a anterior dimensão colectiva do fotojornalismo e a emergência de uma nova geração que se aventurou com êxito pelas circulações internacionais. Depois do pioneirismo de Ricardo Rangel e de Kok Nam, que foram mestres da fotografia antes e depois da independência, José Cabral foi um outro mestre para os novos fotógrafos, um mestre original, irreverente e indisciplinado, que veio reivindicar o lugar próprio de cada autor e afirmar a diferença necessária dos olhares criativos.

 Com passagem pelos jornais e com lugar no ensino, autodidacta formado pela literatura, pelo convívio cultural e pelas viagens (Estados Unidos, Itália, Portugal), José Cabral foi impondo um olhar discreto, sereno e muito pessoal sobre o seu País, numa obra que pode ser apreciada como um longo documentário sobre Moçambique e as suas gentes e também como um auto-retrato, sem ser auto-referencial.

 Nas salas do Camões, depois de um espaço documental, concentrou-se uma colecção breve de retratos, onde tomam lugar a proximidade familiar e a cumplicidade com os outros fotógrafos, mestres e contemporâneos, e também um núcleo de fotografias de viagem, e em especial o itinerário norte-americano (Nova Iorque, Chicago, Santa Fé…). Faz-se a seguir uma alargada viagem por Moçambique, das primeiras jornadas de trabalho por Moamba até às distâncias de Mueda e da Ilha de Moçambique, várias vezes visitadas ao longo do tempo. A ocasional ordenação cronológica, geográfica e temática, que flutua livremente, não é mais do que um convite à descoberta.

 Na Associação Kulungwana mostra-se Maputo, ou melhor, a relação de José Cabral com a sua cidade. A cartografia é íntima, e até sentimental, com a presença dos filhos e dos seus brinquedos - mas também dos filhos dos outros, porque as crianças são um «tema» muito constante na sua obra (os «Anjos Urbanos») - com os corpos das mulheres, com as árvores, que ele vê como pessoas e também o apaixonam. E, por Maputo, alguns lugares do passado, algumas experiências fotográficas, alguns tópicos do olhar de Cabral.

Alexandre Pomar

Abril 2018

Ficha Técnica |Organização e Produção: Camões – Centro Cultural Português em Maputo e Kulungwana | Curadoria: Filipe Branquinho e Alexandre Pomar| Fotografias: José Cabral| Impressão: Kioske Digital | Montagem: Filipe Branquinho e Mauro Pinto.

 A exposição Moçambique – José Cabral resulta de uma parceria entre o Camões – Centro Cultural Português em Maputo e a Associação Kulungwana.

 MAPUTO

Camões – Centro Cultural Português | 11 abril a 1 junho

Kulungwana | 26 abril a 25 maio

 BEIRA

Camões – Centro Cultural Português | 29 agosto a 5 outubro